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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

OBSERVADOR - 11 DE DEZEMBRO DE 2015


Macroscópio – Salário mínimo. É possível um debate sem demagogia?

Para: antoniofonseca1940@hotmail.com

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
j
 
Vamos começar por uma questão simples: quanto vale o salário mínimo em Portugal? 505 euros, reponder-se-á de imediato. A resposta está correcta. Ou não? Na verdade, há um outro número para o salário mínimo: 589,17 euros. Como? Sim: o primeiro valor é o do salário estabelecido, mas em Portugal os trabalhadores recebem 14 salários por ano (12 meses normais, mais subsídio de férias e subsídio de Natal). O segundo número é o do valor do salário mensualizado, aquele que podemos e devemos utilizar para comparações internacionais. Só assim se pode construir uma tabela como a seguinte:
 
(retirado de O Salário Mínimo Na União Europeia Em 2015, de João Cortez no blogue O Insurgente, que utiliza como fonte oEurostat)
 
Bem, e que diferença faz isso? Muita, se quisermos perceber a relação entre salário mínimo, produtividade e competitividade no quadro da União Europeia. A partir daquele valor podemos estabelecer que o salário mínimo em Portugal correspondeu em 2015 a 74% da média do salário mínimo na União Europeia. Ora se considerarmos os últimos números para a produtividade do trabalho por hora trabalhada na União Europeia (2013), verificamos que a nossa produtividade se fica pelos 53,1% da média (dados Pordata).
 
Iniciei este Macroscópio com estes dados apenas para sublinhar como um mesmo número pode ser lido de formas muito diferentes. Ou, se preferirmos, uma mesma realidade pode ser traduzida por números diferentes e com leituras que podem ser contraditórias: ninguém contesta, por exemplo, que 505 euros é um salário baixo; mas então como constatar que, apesar de tudo, é um salário elevado se comparado com a produtividade de cada hora de trabalho? O que significa que, quando discutimos um tema com uma carga tão emocional (e tão política) como o valor do salário mínimo caminhamos sobre um terreno minado em que nem sempre o que parece é. Por isso esta newsletter vai hoje recorrer mais a textos de referência e a estudos do que a artigos de opinião. Afinal de contas só estamos a iniciar a discussão, pelo que foi ditoà saída da reunião da Concertação Social de ontem, quinta-feira.
 
Comecemos pelo primeiro documento, o apresentado pelo Governo e que o Observador sintetizou em As contas do governo para convencer os patrões. O texto integral desse relatório pode ser descarregado aqui. Aspecto importante: o relatório apresentado pelo Ministério de Vieira da Silva utiliza como base de trabalho umestudo do Observatório sobre Crises e Alternativas, uma equipa coordenada pelo anterior líder da CGTP, Carvalho da Silva. A única outra referência bibliográfica portuguesa citada neste relatório apresentado pelo novo governo é um estudo do economista do ISCTE Ricardo Paes Mamede, “Impacto do aumento do Salário Mínimo em 2008: uma estimativa baseada na estrutura salarial das empresas portuguesas”, realizado para o Ministério da Economia no tempo do governo Sócrates. Nenhum dos muitos estudos do Banco de Portugal sobre esta temática é citado ou referido. Uma das conclusões do relatório, que os parceiros vão agora analisar, é, na síntese do Observador, que “as remunerações representavam cerca de 20% dos custos de produção em 2013, pelo que os aumentos da massa salarial previstos teriam um efeito nos custos globais de produção entre 0,02% e 0,11%”.
 
Deixo as indicações específicas destes estudos e destas referências porque o impacto da existência de um salário mínimo, do seu aumento gradual e do seu aumento rápido é um dos temas mais estudados um pouco por todo o mundo, nomeadamente no que se refere ao impacto sobre o emprego e o desemprego. As conclusões são muito variadas, mesmo contraditórias. O Jornal de Negócios procurou fazer um ponto da situação em Salário mínimo destrói emprego? Escolha o seu estudo. Conclusão: “Há poucos debates em economia que gerem tanta controvérsia quanto o aumento do salário mínimo. Em Portugal já terá criado emprego, e já terá destruído, mostram vários estudos. No resto do mundo também.”
 
Mesmo assim é possível tentar fazer uma síntese, mesmo que num registo mais académico. Uma referência possível é o trabalho dos economistas Jonathan Meer e Jeremy West “Effects of the Minimum Wage on Employment Dynamics”. Neste trabalho faz-se uma revisão da bibliografia existente e propõe-se uma abordagem que, mais do que olhar apenas para o emprego existente, olhe também para o efeito de variações no salário mínimo na criação de novos empregos. Pequena síntese das conclusões:
The voluminous literature on minimum wages offers little consensus on the extent to which a wage floor impacts employment. For both theoretical and econometric reasons, we argue that the effect of the minimum wage should be more apparent in new employment growth than in employment levels. In addition, we conduct a simulation showing that the common practice of including state-specific time trends will attenuate the measured effects of the minimum wage on employment if the true effect is in fact on the rate of job growth. Using three separate state panels of administrative employment data, we find that the minimum wage reduces net job growth, primarily through its effect on job creation by expanding establishments. These effects are most pronounced for younger workers and in industries with a higher proportion of low-wage workers.
 
Ou seja, mais do que olhar para as médias, é necessário olhar para segmentos como os dos trabalhadores mais novos ou o das indústrias com salários mais baixos. Aí os efeitos das variações do salário mínimo são mais marcantes, algo que o relatório do governo também admite. Estranha-se por isso que esse relatório ignore um estudo publicado em Setembro de 2011, por cinco académicos das Universidades do Porto e do Minho – Anabela Carneiro, Carla Sá, João Cerejeira, José Varejão e Miguel Portela – intitulado Estudo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida em Portugal. Eis a síntese de um dos seus autores, publicada no Diário Económico e reproduzida no blogue A Destreza das Dúvidas, sob o título A cadeira vazia: “Uma das principais conclusões do estudo foi que, desde 2006, ano do acordo em sede de concertação social que determinou o aumento gradual do salário mínimo, este tem observado um crescimento significativo, com aumentos reais acima dos 4% entre 2008 e 2010. A compressão salarial daí resultante levou a que actualmente 50% dos trabalhadores por conta de outrem aufiram salários entre o salário mínimo e o seu dobro, o que coloca Portugal entre os países com menor desigualdade salarial da Europa, na metade inferior da distribuição salarial. Este aumento dos salários mais baixos, em claro contraciclo com o desempenho da economia, resultou em perdas significativas de emprego nas camadas mais vulneráveis da população, nomeadamente jovens, mulheres e profissionais não qualificados.” Daí que o autor considerasse que o acordo de concertação social de que resultara o aumentado acelerado do salário mínimo for a assinado perante uma cadeira vazia: “a do representante dos desempregados”.
 
Este estudo converge nas suas conclusões com outros realizados por economistas do Banco de Portugal, sendo que alguns deles são co-assinados pelo actual ministro das Finanças, Mário Centeno. Um desses estudos aborda precisamente um dos subsectores que parece ser mais afectado por aumentos bruscos do salário mínimo:O impacto do salário mínimo sobre os trabalhadores com salários mais baixos. Este trabalho saiu no Boletim do Banco de Portugal e, além de Centeno, subscrevem-no Álvaro Novo e Cláudia Duarte. Eis uma passagem das suas conclusões: “Globalmente os resultados apontam para um efeito negativo de aumentos do salário mínimo do emprego de trabalhadores com baixos salários, que tem como contrapartida pequenos ganhos salariais. Estes resultados são compatíveis com a elevada rotatividade de emprego e de trabalhadores existentes em Portugal nestas margens salariais”.
 
É natural que este e outros estudos de Mário Centeno e de outros membros do Gabinete de Estudos do Banco de Portugal tenham contribuído para cimentar as opiniões que, em 2013, manifestou num pequeno livro editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, O Trabalho, uma Visão de Mercado. Foram passagens desse livro que o deputado do PSD Miguel Morgado citou num dos momentos mais fortes do debate do programa de governo (o vídeo pode ser visto aqui). Na Visão, em As ideias de Centeno... que Centeno renegou recordavam-se, para enquadrar esse debate, algumas passagens desse livro. Por exemplo: “A evidência existente indicia que há um efeito negativo dos aumentos do salário mínimo na variação salarial dos trabalhadores que têm salários imediatamente acima. Intuitivamente, os (fortes) aumentos do salário mínimo formam uma onda que se abate sobre os salários medianos da economia, arrastando-os para aumentos de menor magnitude”, escreve o atual ministro. E calcula mesmo esse impacto. “Por cada ponto percentual de aumento do salário mínimo, os trabalhadores com salários abaixo da mediana veem os seus salários crescer menos 0,1 pontos percentuais”.
 
Este tema das diferenças entre o que Centeno escreveu sobre o salário mínimo e o que o actual governo está a defender foi glosado por vários outros órgãos de informação, mas num deles, a Renascença, o título escolhido toca no ponto mais sensível:Centeno defendeu que forte aumento do salário mínimo prejudica emprego. O conceito chave, aqui, é “forte aumento”: o ritmo pode fazer muita diferença. Ora, para chegar numa legislatura aos 600 euros (que corresponderão, mensualizando pelo critério indicado no início desta newsletter, a um salário mínimo “comparável” de exactamente 700 euros), teremos de contar com um ritmo acelerado.
 
Regresso por isso a Luis Aguiar-Conraria e a um texto que escreveu no início de Novembro no Observador, A vantagem de ter Mário Centeno no governo, pensando então que ele, precisamente por causa do que tinha estudado e publicado, o contributo relevante que poderia vir a “dar para a governação do país será no Ministério do Trabalho e da Segurança Social”. Não foi isso que aconteceu, mas mesmo assim vale a pena recordar uma passagem desse texto, onde se discute também a evolução desejável, ou não, do salário mínimo:
Muita gente argumentará que o salário mínimo em Portugal é tão baixo que o perigo de provocar desemprego não existe. Infelizmente, não têm razão. Para se aferir se o salário mínimo provoca efeitos nefastos, é necessário analisar em que condições está o mercado de trabalho. Sobre este assunto, a literatura económica identificou três condições necessárias: o Índice de Kaitz (que é, simplesmente, o rácio do salário mínimo com o salário mediano) não deve ser muito elevado; não deve haver desemprego excessivo e os aumentos do salário mínimo devem ser moderados. Se estas condições não forem verificadas, com toda a certeza, subidas de salário mínimo serão contraproducentes, levando a aumentos importantes do desemprego.

E prossegue: Como se pode ver no gráfico que apresento, o Índice de Kaitz em Portugal tem o valor de 58%, sendo o terceiro mais alto da União Europeia. O desemprego em Portugal é dos mais altos da Europa e se (...) nos próximos anos o salário mínimo subir para 600€, o Índice de Kaitz português subirá para valores seguramente acima de 65%, tornando-se o valor mais elevado da União Europeia. Uma variação que pode ser qualificada de diversas maneiras, mas nunca como moderada. Enfim, adivinham-se consequências desastrosas no desemprego.
 
Como vêem, o tema não é linear e mesmo nos meios académicos sente-se que as preferências mais ideológicas pesam no sentido dos estudos, por mais rigorosos que estes sejam. Mas, por hoje, julgo que já vos deixei muita matéria de reflexão e, se desejarem, muito texto e estudo para ler. Porventura uma indigestão, mesmo pensando que vamos para fim-de-semana, mas a intenção é boa e informação a mais, podendo cada leitor escolher a que prefere ler, nunca é demais.
 
Tenham bom descanso, que eu despeço-me até segunda-feira.
 
 
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